Monday, July 31, 2006

Dia -280



«Carta a meus filhos *
Não sei, meus filhos, que mundo será o vosso.
É possível, porque tudo é possível, que ele seja
aquele que eu desejo para vós. Um simples mundo,
onde tudo tenha apenas a dificuldade que advém
de nada haver que não seja simples e natural.
Um mundo em que tudo seja permitido,
conforme o vosso gosto, o vosso anseio, o vosso prazer,
o vosso respeito pelos outros, o respeito dos outros por vós.
E é possível que não seja isto, nem seja sequer isto
o que vos interesse para viver. Tudo é possível,
ainda quando lutemos, como devemos lutar,
por quanto nos pareça a liberdade e a justiça, ou mais que qualquer delas
uma fiel dedicação à honra de estar vivo.
Um dia sabereis que mais que a humanidade
não tem conta o número dos que pensaram assim,
amaram o seu semelhante no que ele tinha de único,
de insólito, de livre, de diferente,
e foram sacrificados, torturados, espancados,
e entregues hipocritamente à secular justiça,
para que os liquidasse "com suma piedade e sem efusão de sangue".
Por serem fiéis a um deus, a um pensamento, a uma pátria, uma esperança,
ou muito apenas à fome irrespondível que lhes roía as entranhas,
foram estripados, esfolados, queimados, gaseados,
e os seus corpos amontoados tão anonimamente quanto haviam vivido,
ou suas cinzas dispersas para que delas não restasse memória.
Às vezes, por serem de uma raça, outras por serem de uma classe,
expiaram todos os erros que não tinham cometido
ou não tinham consciência de haver cometido.
Mas também aconteceu e acontece que não foram mortos.
Houve sempre infinitas maneiras de prevalecer,
aniquilando mansamente, delicadamente,
por ínvios caminhos quais se diz que são ínvios os de Deus.
Estes fuzilamentos, este heroísmo, este horror,
foi uma coisa, entre mil, acontecida em Espanha
há mais de um século e que por violenta e injusta
ofendeu o coração de um pintor chamado Goya,
que tinha um coração muito grande, cheio de fúria e de amor.
Mas isto nada é, meus filhos. Apenas um episódio, um episódio breve,
nesta cadeia de que sois um elo (ou não sereis)
de ferro e de suor e sangue e algum sémen
a caminho do mundo que vos sonho.
Acreditai que nenhum mundo, que nada nem ninguém
vale mais que uma vida ou a alegria de tê-la.
É isto o que mais importa - essa alegria.
Acreditai que a dignidade em que hão-de falar-vos tanto
não é senão essa alegria que vem
de estar-se vivo e sabendo que nenhuma vez alguém
está menos vivo ou sofre ou morre
para que um só de vós resista um pouco mais
à morte que é de todos e virá.
Que tudo isto sabereis serenamente,
sem culpas a ninguém, sem terror, sem ambição,
e sobretudo sem desapego ou indiferença, ardentemente espero.
Tanto sangue, tanta dor, tanta angústia, um dia
- mesmo que o tédio de um mundo feliz vos persiga -
não hão-de ser em vão. Confesso que
muitas vezes, pensando no horror de tantos séculos
de opressão e crueldade, hesito por momentos
e uma amargura me submerge inconsolável.
Serão ou não em vão? Mas, mesmo que o não sejam,
quem ressuscita esses milhões, quem restitui
não só a vida, mas tudo o que lhes foi tirado?
Nenhum Juízo Final, meus filhos, pode dar-lhes
aquele instante que não viveram, aquele objecto que não fruíram,
aquele gesto de amor, que fariam "amanhã".
E por isso, o mesmo mundo que criemos
nos cumpre tê-lo com cuidado, como coisa
que não é nossa, que nos é cedida para a guardarmos respeitosamente
em memória do sangue que nos corre nas veias,
da nossa carne que foi outra, do amor
que outros não amaram porque lho roubaram.»
Jorge de Sena
*É diferente, mas tão igual que...

Dia -279

Alguém...
... me sabe dizer como se diz filhos da puta em libanês?
E já agora em hebraico, para que os visados entendam?
Há dias em que tenho muita vergonha de ser pessoa.
Hoje é um deles.

Saturday, July 29, 2006

Dia -278

A Família
Eu tenho muitos familiares.
Mas para mim a minha família são os meus pais,
a minha irmã verdadeira,
a minha irmã que não é verdadeiramasécomosefosse,
o meu primo a fingir
e o filho de ambos, ou seja,
o meu sobrinho emprestado.
É uma mistura um bocado estranha.
Mas, na verdade, não há famílias normais.
E eu cá gosto da minha tal e qual como é.

Friday, July 28, 2006

Dia -277

A Tese
A minha amiga, aliás, a minha irmã-praticamente-gêmea
acabou a tese. Senti-me quase como quando fui eu.
Feliz e aliviada.
Parabéns, irmã!

Dia -276

Não me importo
É verdade que não me importo.
Que já não me importo.
Com as raparigas imaginárias,
de longos cabelos, à varanda,
a quem escreves as mesmas frases.
É verdade que já não me importo.
Com as raparigas.
São imaginárias
Mas a repetição das palavras, chateia-me.

Wednesday, July 26, 2006

Dia -275


Muitos Parabéns...

... e um monte de prendas e mais um monte de anos pela frente e mais um monte, daqueles mesmo grandes, de felicidades.
Para

Dia -274

Os Nossos Mortos e os Mortos dos Outros
Os mortos dos outros são sempre os mortos dos outros.
Os nossos...
ah os nossos (ou os daqueles que nos estão próximos)...
os nossos serão sempre melhores
que os mortos dos outros.
Mais pesados,
mais significativos,
mais valiosos.
Os nossos mortos representam aquilo em que acreditamos.
E aquilo em que acreditamos por vezes inclui conceitos tão bonitos,
como por exemplo: tolerância, respeito pela vida,
solidariedade, paz.
Os mortos dos outros representam geralmente tudo aquilo que repudiamos, como seja:
o terrorismo, a violência, o desrespeito pela vida, a intolerância.
O problema é quando tudo se mistura
(porque, na realidade, tudo está misturado, como é desejável (e tão humano) que esteja).
Não sou anti-semita. Tenho simpatia pelo povo judeu. Pela sua história.
Mas tal simpatia (e a proximidade cultural (enfim, para dizer o mínimo)) de Israel ao ocidente, não me leva a ignorar que os mortos dos outros são exactamente iguais aos nossos.
E que não há grande desculpa para matar centenas de pessoas. Sejam culpadas ou inocentes.
Pessoas que, apesar de tão diferentes, são iguaizinhas a nós.
Humanos como nós.
Portanto, tão nossos, como os nossos e não outros.
A guerra é um bicho cego.
E estúpido. Profundamente estúpido.

Monday, July 24, 2006

Dia -273

«Para te levar ao concerto que havia no Rivoli»
Eu já assinei.

Sunday, July 23, 2006

Dia -272

A Silly Season
As pessoas andam todas na rua.
Há ranchos folclóricos.
Feiras em cada esquina.
Não estreiam filmes interessantes.
Vai tudo para a praia.
Não acontece nada de especial.
Não percebo porque é que as pessoas ostentam um ar tão contente...
... deve ter-me escapado qualquer coisa.

Saturday, July 22, 2006

Dia -271

As Nossas Casas
Porque é que a casa dos nossos pais é sempre a nossa casa
e a nossa casa parece estranha quando os nossos pais nos visitam?

Friday, July 21, 2006

Dia -270

Avaliações
Gosto da minha profissão.
Mas detesto corrigir exames e trabalhos.
Avaliar, em suma.

Dia -269

I Wish...
...I have a doctor exactly like this in my house.
... I have a House like this as my private doctor.














Hugh Laurie*


* provavelmente o tipo mais interessante do mundo. Ou a prova de que também para mim começou a silly season

Thursday, July 20, 2006

Dia -268

Up's and Down's
Há bocado parei na passadeira.
Enquanto atravessava, o rapaz começou a acenar-me freneticamente.
Sorri e pensei
' bolas! Devo ser mesmo gira. Tenho de apanhar os cabelos mais vezes'.
O rapaz atravessou e do outro lado continuou a acenar-me.
Comecei a estranhar tanto entusiasmo...
'Ok sou gira, mas assim tanto?'
Até que percebi. Tinha os faróis desligados.

Wednesday, July 19, 2006

Dia -267

J'Aime Bien La Mer*


La mer

Qu'on voit danser le long des golfes clairs

A des reflets d'argent

La mer

Des reflets changeants

Sous la pluie

La mer

Au ciel d'été confond

Ses blancs moutons

Avec les anges si purs

La mer bergère d'azur

Infinie

Voyez

Près des étangs

Ces grands roseaux mouillés

Voyez

Ces oiseaux blancs

Et ces maisons rouillées

La mer

Les a bercés

Le long des golfes clairs

Et d'une chanson d'amour

La mer

A bercé mon cœur pour la vie


*mais pas la plage.

La mer, dans la voix de Paolo Conte c'est vraiment magnifique, n'est ce pas?

Tuesday, July 18, 2006

Dia -266

Cada um é para o que nasce
Eu cá nasci para ser rica. Imensamente rica.
Não percebo...
há qualquer coisa que não bate certo.

Sunday, July 16, 2006

Dia -265

As Vozes
Tudo se mistura. Leio-te. E lembro-me de como era
quando éramos um do outro.
Mas, na verdade,
já não tenho nada para te dizer.

Dia -264

Postal de Férias
Nunca me tinham escrito um postal de férias tão bonito.
Obrigada.

Friday, July 14, 2006

Dia -263

Derreter (Mais) Ainda
Se eu pensava que ontem derretia. Hoje estou uma papa
Odeio o Verão (enésimo take)

Thursday, July 13, 2006

Dia -262

Derreto-me
Odeio o verão!
(não sei se já tinha dito isto)

Wednesday, July 12, 2006

Dia -261

Heróis a Bestas
É impressionante a facilidade com que o povo deixou de ver
os jogadores da selecção nacional como heróis
e passou a encará-los como bestas.
O que é que mudou, afinal?

Tuesday, July 11, 2006

Dia -260

Retomar...
...o fio da vida.
Ou dos dias a menos para a morte.
Não. Não quero morrer agora.
Não. Não quero perder mais dias.
Não. Não quero ser (para já) a seiva que alimentará
um dia
um castanheiro
em Montesinho.