Friday, March 31, 2006

Dia -158

A Diferença
Dizemos que o que nos une é maior do que o que nos separa.
Gostamos de usar estas frases. A que a junção de água confere evidência.
Na prática. No amor. Na amizade. No trabalho. No tempo.
Na vida.
Aquilo que nos separa.
A todos.
Será sempre.
Maior. Mais forte. Mais impeditivo.
Que aquilo que nos une.
E assim sendo.
O que nos une é o quê?

Thursday, March 30, 2006

Dia -157

A Terra de Ninguém
No meio caminho entre a mentira e a verdade.
Entre o possível e o impossível.
Onde repousa o que não pode ser dito.
É onde eu te digo.
Amo-te.

Wednesday, March 29, 2006

Dia -156

O Folêgo
Aquilo que nos corta o folêgo
é
a única
razão
por que respiramos.
A grande
razão.

Tuesday, March 28, 2006

Momento de Intervalo...

... Ou Outra Coisa Qualquer

«And so it is
Just like you said it would be
Life goes easy on me
Most of the time
And so it is
The shorter story
No love, no glory
No hero in her skies
I can't take my eyes off of you
I can't take my eyes off of you
I can't take my eyes off of you
I can't take my eyes off of you
I can't take my eyes off of you
I can't take my eyes...
And so it is
Just like you said it should be
We'll both forget the breeze
Most of the time
And so it is
The colder water
The blower's daughter
The pupil in denial
I can't take my eyes off of you
I can't take my eyes off of you
I can't take my eyes off of you
I can't take my eyes off of you
I can't take my eyes off of you
I can't take my eyes...
Did I say that I loathe you?
Did I say that I want to
Leave it all behind?
I can't take my mind off of you
I can't take my mind off of you...
I can't take my mind off of you
I can't take my mind off of you
I can't take my mind off of you
I can't take my mind...
My mind...
my mind...
'Til I find somebody new»

Damien Rice The blower's daughter
da banda sonora do filme Closer, de Mike Nichols

Dia -155

O (teu) Vazio
Nada a fazer quando o silêncio toma o lugar outrora ocupado. Pela música.
Nada a fazer quando a única coisa possível é fechar os olhos.
E voltar a abri-los para reconhecer que falhaste.
Outra vez.
Que ainda não. Que ainda não.
Que agora. Já. Não.
Já não sentes a música. Que foste assaltado pelo silêncio.
Quando antes todas as coisas se dissolviam na música.
Não quero que deixes de ouvir a música. Mas sei.
Que há silêncios que nos tomam.
Nada a fazer. Quando. A única coisa possível é reconhecer que ainda não.
Que. Agora. Já não.
Nada a fazer?

Monday, March 27, 2006

Dia -154

A Saída
Hesito. Entre a esquerda alta e a direita baixa.
O pano de cena enreda-se em mim.
Caí numa armadilha.
Não sou capaz de encontrar uma saída.
Posso deixar-me cair no meio do palco.
Como quem morre.
Talvez a equipa de limpeza repare no que de mim resta.
E amavelmente me transporte para fora.
De mim.

Sunday, March 26, 2006

Dia -153

Lugares
O meu lugar é onde a tua voz começa.

Saturday, March 25, 2006

Dia -152

«Mas Dancemos
já que temos
a valsa começada»
Reinaldo Ferreira - Extracto de Rosie

Friday, March 24, 2006

Dia -151

Tu
«(...) Beijar teus olhos será morrer pela esperança.
Ver no aro de fogo de uma entrega
tua carne de vinho roçada pelo espírito de Deus
será criar-te para luz dos meus pulsos e instante
do meu perpétuo instante.
- Eu devo rasgar minha face para que a tua face
se encha de um minuto sobrenatural,
devo murmurar cada coisa do mundo
até que sejas o incêndio da minha voz.
(...) E à alegria diurna descerro as mãos. Perde-se
entre a nuvem e o arbusto o cheiro acre e puro
da tua entrega. Bichos inclinam-se
para dentro do sono, levantam-se rosas respirando
contra o ar. Tua voz canta
o horto e a água - e eu caminho pelas ruas frias com
o lento desejo do teu corpo.
Beijarei em ti a vida enorme, e em cada espasmo
eu morrerei contigo.»
Heberto Helder - Extracto de O Amor em Visita

Thursday, March 23, 2006

Dia -150

O Precipício
«Afinal o que importa é não ter medo: fechar os
olhos frente ao precipício
e cair verticalmente no vício»*
Acontece-me passar a vida que me resta até à morte a saltar. De precipício em precipício.
A merda toda é que não há um farol que indique o caminho do abismo.
* Mário Cesariny - extracto do poema Pastelaria

Dia -149

A Impotência
A minha maior morte é a morte de mim em ti. É uma morte dificil. Deve ser.
Porque é a morte completa. Aquela de que nunca se regressará.
Aquela que põe uma pedra definitiva e sólida entre o que foi e o que há-de ser.
Eu sei que te traí de multiplas maneiras.
Não há caminho para voltar de uma morte assim.
Eu sei.
E não é triste que me sinto. É desarmada.
Para abrir uma janela qualquer nessa pedra.
Ou uma pequena fresta por onde passe um dos teus dedos em direcção ao meu cabelo.

Tuesday, March 21, 2006

Dia -148

O Dia da Poesia

Somos todos de aqui. Basta-nos a pátria
que uma tarde de domingo -nos consente
entre folhas de outono e frases de abandono
E abrem-se-nos ruas
para ir a sítios demasiado precisos
quando um só sítio se encontra
ao fim de todas as ruas e de todos os rios
Somos todos da raça dos mortos
ou vivos mais além
Mensagens de outra pátria não as traz
arauto algum que o nosso tempo vestisse

O que é preciso é dar lugar
aos pássaros nas ruas da cidade
Ruy Belo - Espaço Preenchido

Monday, March 20, 2006

Dia -147

A Pergunta sem Resposta
Como se pode viver depois da morte do teu riso?
Como esperas que eu viva depois de ti?

Dia -146

Dia do Pai
Todos os dias, contigo, Pai, nunca são dias a menos.
Sempre dias a mais. Que me acrescentam.

Sunday, March 19, 2006

Dia -145

A Idade
Fazes oito anos hoje. Mas não é a tua idade que me preocupa. És pequenino.
Tão pequenino, para mim, como no dia em que nasceste.
Aquilo que me preocupa nos teus oito anos... não é tu estares a ficar crescido.
É o tempo que também não pára. Para mim.

Friday, March 17, 2006

Dia -144

O Regresso
Alguém me disse. Num dia a menos. Que não podemos regressar.
Aos lugares. Onde. Já fomos. Felizes.
Desde esse dia. Menor. E a menos.
Nunca deixei de regressar. Àquele lugar. Àquela pessoa.
Onde. Com quem.
Nunca fui outra coisa. Senão. Feliz.

Dia -143

Por Vezes...
...um blog é feito do que não se escreve...
Frase deste senhor aqui, que tem por mania imaginar(se)(nos) mundos, na caixa de comentários do seu blog.

Wednesday, March 15, 2006

Dia -142

«Eu Sou O Quê?
E a resposta é uma solidão assustada»
António Lobo Antunes

Tuesday, March 14, 2006

Dia -141

Quem Sou Eu?
«Sou alguém que espera ser aberto por uma palavra»
António Ramos Rosa, frase do poema Uma Voz na Pedra

Monday, March 13, 2006

Dia -140

A Primavera
Hoje entrei na sala de aula e anunciei: chegou a Primavera!
Olharam para mim estupefactos e um mais afoito corrigiu-me:
«a Primavera só começa dia 21 de Março, professora».
Que culpa tenho eu, sim, que culpa tenho eu de lá fora estar um sol abrasador,
cheirar a polén e a erva e de ter alunos tão arreigadamente defensores de calendários?

Sunday, March 12, 2006

Dia -139

A Rua
A rua. A minha. É grande e larga. Tem água. Muita. Ao fundo. Advinham-se os montes de sal.
De antes. Advinha-se mais água que não vejo da janela. A minha rua é grande. E larga.
Não sei quantos passos de comprimento. Não sei quantos passos de largura.
Nunca caminhei a pé por toda a extensão da minha rua.
Sou uma habitante inútil. Que se debruça em direcção à água. Ao fundo. Da janela.
Que nunca se aproximou demasiado dos passeios. Das passadeiras. Dos prédios.
E dos vizinhos.
Sou uma pessoa inútil. Que não conhece, com os seus passos. A sua própria rua.
Inutilmente habito uma cidade onde não conheço ninguém.
Inutilmente habito uma rua que só conheço à distância.
Inutilmente entro e saio do meu prédio sem um eco de bons dias.
Inutilmente vagueio pelas divisões da minha casa.
A rua lá fora. A cidade lá fora. Os vizinhos lá fora.
E eu cá dentro. Inutilmente habitando. Um corpo de que não conheço o habitante.

Saturday, March 11, 2006

Dia -138

O Deserto
Há três anos. Desapareceste. Deixaste. Um deserto.
Cá dentro.
Há três anos morreste.
E neste deserto em que estou.
Todos os dias são dias a mais.
Ou a menos.
Para a minha. Solidão.
Ou. Morte.

Friday, March 10, 2006

Dia -137

A Carta da Paixão
Que alguém me escreva
algum dia (por exemplo hoje) alguma coisa semelhante a isto.
Enquanto eu sangro.
Lentamente.
«Esta mão que escreve a ardente melancolia
da idade
é a mesma que se move entre as nascenças da cabeça,
que à imagem do mundo aberta de têmpora
a têmpora
ateia a sumptuosidade do coração. A demência lavra
a sua queimadura desde os seus recessos negros
onde se formam
as estações até ao cimo,
nas sedas que se escoam com a largura
fluvial
da luz e a espuma, ou da noite e as nebulosas
e o silêncio todo branco.
Os dedos.
A montanha desloca-se sobre o coração que se alumia: a língua
alumia-se: O mel escurece dentro da veia
jugular talhando
a garganta. Nesta mão que escreve afunda-se
a lua, e de alto a baixo, em tuas grutas
obscuras, essa lua
tece as ramas de um sangue mais salgado
e profundo. E o marfim amadurece na terra
como uma constelação. O dia leva-o, a noite
traz para junto da cabeça: essa raiz de osso
vivo. A idade que escrevo
escreve-se
num braço fincado em ti, uma veia
dentro
da tua árvore. Ou um filão ardido de ponto a ponta
da figura cavada
no espelho. Ou ainda a fenda
na fronte por onde começa a estrela animal.
Queima-te a espaçosa
desarrumação das imagens. E trabalha em ti
o suspiro do sangue curvo, um alimento
violento cheio
da luz entrançada na terra. As mãos carregam a força
desde a raiz
dos braços a força
manobra os dedos ao escrever da idade, uma labareda
fechada, a límpida
ferida que me atravessa desde essa tua leveza
sombria como uma dança até
ao poder com que te toco. A mudança. Nenhuma
estação é lenta quando te acrescentas na desordem, nenhum
astro
é tao feroz agarrando toda a cama. Os poros
do teu vestido.
As palavras que escrevo correndo
entre a limalha. A tua boca como um buraco luminoso,
arterial.
E o grande lugar anatómico em que pulsas como um lençol lavrado.
A paixão é voraz, o silêncio
alimenta-se
fixamente de mel envenenado. E eu escrevo-te
toda
no cometa que te envolve as ancas como um beijo.
Os dias côncavos, os quartos alagados, as noites que crescem
nos quartos.
É de ouro a paisagem que nasce: eu torço-a
entre os braços. E há roupas vivas, o imóvel
relâmpago das frutas. O incêndio atrás das noites corta
pelo meio
o abraço da nossa morte. Os fulcros das caras
um pouco loucas
engolfadas, entre as mãos sumptuosas.
A doçura mata.
A luz salta às golfadas.
A terra é alta.
Tu és o nó de sangue que me sufoca.
Dormes na minha insónia como o aroma entre os tendões
da madeira fria. És uma faca cravada na minhavida secreta.
E como estrelas
duplas
consanguíneas, luzimos de um para o outro
nas trevas.»
Herberto Helder

Thursday, March 09, 2006

Dia -136

O Feminismo (ainda)
O que é ser feminista? Faz ainda sentido ser feminista?
Ainda que a palavra feminismo tenha uma carga negativa, associada às maniffestações mais radicais dos anos 60... faz sentido.
Aliás, não concebo ser mulher sem ser feminista.
Acho abomináveis e indignas da sua condição (feminina) as mulheres que dizem:
'eu não sou feminista... sou feminina'.
Bom, é uma evidência. Se se é mulher... necessáriamente é-se feminina.
E eu acrescento:
Se se é mulher deve ser-se feminista.
Tive a fortuna de nascer do lado certo do mundo, do lado certo da rua. Na casa certa.
Um lado onde os direitos humanos são relativamente bem assegurados.
Uma rua e uma casa onde nunca houve violência doméstica.
Onde nunca fui utilizada como mais um instrumento de guerra.
Onde nunca me excizaram o clitóris.
Onde nunca me violaram.
Onde nunca me bateram.
Onde nunca me impediram de votar.
De ir à escola. Ao médico. Ao cinema. Ao teatro. Aonde me apetecer.
Tive a fortuna de a minha condição de mulher nunca ter condicionado a minha vida.
Faço o que quero. Sou o que quero. Tive oportunidades.
E depois? Deveria sorrir docemente, ajeitar o cabelo, verificar se o verniz das unhas não estalou
e dizer:
'não sou feminista, sou feminina'?
Se o fizesse, negaria muitas outras mulheres do mundo.
As que não tiveram a mesma sorte que eu.
As que nasceram do lado errado. Na rua errada. Na casa errada.
No lado, na rua, na casa, onde são agredidas, violadas, impedidas de ser seres humanos.
Se o fizesse ignoraria
E isso, desculpem... isso... enquanto pessoa do sexo feminino... isso... não sou capaz.

Wednesday, March 08, 2006

Dia -135

Ser Mulher
Eu, que sou apenas uma mulher entre todas as mulheres do mundo,
encontro nos dados que dão conta da persistência das desigualdades de género, em todo o mundo, matéria suficiente para me envergonhar de ser pessoa.
É por isso que dispenso as flores no Dia Internacional da Mulher.
É por isso que acredito que não posso ser feminina se não for também feminista.
É por isso que sei que onde houver uma Mulher com dignidade.
Haverá também uma Feminista.

Tuesday, March 07, 2006

Dia -134

A Massagem
Fazem-me regularmente desde há 4 anos, massagens de relaxamento.
Quando saio das mãos da massagista, sinto-me a caminhar sobre nuvens.
É bom. Muito bom. Demasiado bom.
E eu mereço.

Monday, March 06, 2006

Dia -133

Os Óscares
Desde há muitos anos que assisto em directo, noite fora, à cerimónia de entrega dos óscares.
Um ano zanguei-me por não terem dado o óscar à Emily Watson pelo seu desempenho em Breaking the Waves, de Lars Von Trier.
Este ano zanguei-me por não terem eleito, entre os cinco nomeados, Brokeback Mountain como melhor filme.
Salvou-se terem dado a Ang Lee o óscar de melhor realizador.
De qualquer maneira, o facto do fabuloso (em todos os filmes que com ele vi e em Capote particularmente) Philip Seymour Hoffman ter ganho o óscar de melhor actor, desculpou tudo.
Por preconceito, admito, fiquei um bocado assarapantada com o óscar de melhor actriz a Reese Whiterspoon.
Como ainda não vi Walk the Line, não faço comentários.

Sunday, March 05, 2006

Dia -132

A Pashmina
Tenho uma pashmina linda. Trouxeram-ma da Argentina.
É de uma lã macia e muito quente. Castanha, com fios em creme e em cinzento.
Podia andar vestida só com a minha pashmina nova.
Se me fosse permitido.
Ou se não me prendessem por isso.
Ou ainda se eu ficasse bem só com ela vestida.
O que, lamentavelmente, não é o caso.

Saturday, March 04, 2006

Dia -131

A Inveja
Pronto. Reconheço. Tenho pequenas invejas. Se quiserem.
Invejas pequeninas.
Das também pequeninas felicidades alheias.

Friday, March 03, 2006

Dia -130

A Espera
Às vezes fica tudo suspenso. Parece que nada se move.
Que nada acontece. Nessas vezes. Eu. Fico expectante.
Como os terrenos. À espera de movimento.
À espera de construções.

Thursday, March 02, 2006

Dia -129

O Processo
Ando há mais de cinco meses às voltas com um processo.
De Bolonha.
Não sei bem para onde vamos. Nem exactamente como vamos.
Só sei que nunca fui a Bolonha.
Parece-me mal.

Dia -128

A Vesícula
Nunca tinha reparado que tinha uma. Sabia que tinha. Mas nunca havia dado por ela.
Até agora. Resolveu inflamar. Chatear-me. Impedir-me de comer as coisas que gosto.
Provoca-me tonturas. Vertigens.
Porque é que a minha vesícula decidiu salientar-se agora? E desta maneira tão proeminente?

Wednesday, March 01, 2006

Dia -127

Os Filmes
Vi cinco filmes entre sábado e segunda feira. Dois por dia, portanto.
Deve chegar para uma semana.
Capote
Mrs. Henderson
O Céu Gira
Transamérica
Nada a Esconder.
Bom, também vi o Bambi 2, com a minha afilhada pequena. Gosto tanto do Tambor.