Saturday, March 31, 2007

Dia -522

É Bonito...

... quando os amigos se lembram do momento em que nos viram pela primeira vez

Friday, March 30, 2007

Dia -520

Vulnerabilidade

tenho medo

Thursday, March 29, 2007

Dia -519

Ou Ofelia no País de Franco
Tecnicamente irrepreensível. Aliás, tecnicamente espantoso.
Uma versão escura, muito escura, de Alice no País das Maravilhas.
Na verdade, este filme devia chamar-se Ofelia no País de Franco.
Um país saído de uma Guerra Civil violentíssima,
cuja vitória dos fascistas instaurou um regime sustentado nas baionetas e no sangue**.
Pensei, logo a seguir ao fim do filme, que era tudo extremamente previsível.
Os maus. Os bons. Os heróis e os filhos da puta.
(Como se não fossemos todos uma e outra coisa)
E no fim, o bem compensa e alcançamos o reino dos céus,
vestidos, como Ofelia, com roupas coloridas e extremamente cintilantes.
O fim do filme é, aliás, o único momento em que as cores são brilhantes,
luminosas e estão definitivamente tão vivas que nos fazem doer os olhos.
E é exactamente quando a personagem, a inocência encarnada por Ofelia, morre.
E depois, ou melhor agora, vejo que o filme não é sobre o eterno e
habitualmente tão redutor dualismo entre o bem e o mal.
Entre a cor e a escuridão. Entre a luz e a sombra.
Mas é sobre a inocência e a capacidade de acreditar.
É sobre as infinitas maneiras de se estar vivo,
mesmo quando tudo o que importa parece ter já morrido.
Sejam os nossos pais ou o nosso país.
Seja a liberdade ou o amor.
Seja a igualdade entre os homens ou a magia das coisas.
E é ainda sobre a coragem.
Sobre todos esses pequenos gestos perfeitos.
Com que atravessamos espelhos.
* Em português O Labirinto do Fauno, realizado por Guillermo del Toro
** eis como Franco definia o seu próprio regime.

Wednesday, March 28, 2007

Dia -518

A verdade é que...
... quando eu tinha a tua idade não pensava tão bem como tu.
Talvez soubesse mais alguma coisa, dessas que se aprendem.
No cinema, nos livros, nas exposições, nas conversas intermináveis.
Mas a verdade é mesmo que, quando tinha a tua idade,
não pensava tão bem como tu pensas.
Nem agora.

Monday, March 26, 2007

Dia -517

Uma das coisas que eu tenho em comum com o Bill Bryson:
os planos de deus
«Sei há muito tempo que o plano que Deus tem para mim implica passar algum tempo com cada uma das pessoas mais idiotas do mundo».
(Bill Bryson - Por Aqui e por Ali)

Dia -516

Who Are You?
Who I am is only a point of view.
(ouvido em Set Up de Rui Horta, um espectáculo sobre a comunicação ou a falta dela... sobre ver e não ver...
sobre o nome das coisas e o que fazer com ele.
No princípio não tínhamos nome, depois alguém nos deu um)

Saturday, March 24, 2007

Dia -515

A Great Freak Show
ou
um belo filme que é uma biografia, muito ficcionada,
da grande fotógrafa americana Diane Arbus
ou
ou ainda
uma
(mais uma, em conjunto por exemplo com Dogville; The Hours; The Others; Birthday Girl)
interpretação muito, muito boa de Nicole Kidman.

Friday, March 23, 2007

Dia -514

Boa Disposição Instantânea

Uma bela voz e uma canção que faz com que nos apeteça descalçar os sapatos e começar a dançar no meio de um campo de girassóis, ou assim.

Corinne Bailey Rae - Put Your Records On

Dia -513

Então, não!*
(ou eu sinto-me sempre out of focus)

*ou novamente a Mafalda, a minha heroína de sempre.

Desta vez pergunta: nunca vos sucede sentirem-se por vezes um pouco indefinidos?

Thursday, March 22, 2007

Momento de Intervalo...

... no dia mundial da poesia, eis o poema*
Dai-me uma jovem mulher com sua harpa de sombra
e seu arbusto de sangue. Com ela
encantarei a noite.
Dai-me uma folha viva de erva, uma mulher.
Seus ombros beijarei, a pedra pequena
do sorriso de um momento.
Mulher quase incriada, mas com a gravidade
de dois seios, com o peso lúbrico e triste
da boca. Seus ombros beijarei.
Cantar? Longamente cantar,
Uma mulher com quem beber e morrer.
Quando fora se abrir o instinto da noite e uma ave
o atravessar trespassada por um grito marítimo
e o pão for invadido pelas ondas,
seu corpo arderá mansamente sob os meus olhos palpitantes
ele - imagem inacessível e casta de um certo pensamentode alegria e de impudor.
Seu corpo arderá para mim
sobre um lençol mordido por flores com água.
Ah! em cada mulher existe uma morte silenciosa;
e enquanto o dorso imagina, sob nossos dedos,
os bordões da melodia,
a morte sobe pelos dedos, navega o sangue,
desfaz-se em embriaguez dentro do coração faminto.
- Ó cabra no vento e na urze, mulher nua sob
as mãos, mulher de ventre escarlate onde o sal põe o espírito,
mulher de pés no branco, transportadora
da morte e da alegria.
Dai-me uma mulher tão nova como a resina
e o cheiro da terra.
Com uma flecha em meu flanco, cantarei.
E enquanto manar de minha carne uma videira de sangue,
cantarei seu sorriso ardendo,
suas mamas de pura substância,
a curva quente dos cabelos.
Beberei sua boca, para depois cantar a morte
e a alegria da morte.
Dai-me um torso dobrado pela música, um ligeiro pescoço de planta,
onde uma chama comece a florir o espírito.
À tona da sua face se moverão as águas,
dentro da sua face estará a pedra da noite.
- Então cantarei a exaltante alegria da morte.
Nem sempre me incendeiam o acordar das ervas e a estrela
despenhada de sua órbita viva.
- Porém, tu sempre me incendeias.
Esqueço o arbusto impregnado de silêncio diurno, a noite
imagem pungente
com seu deus esmagado e ascendido.
- Porém, não te esquecem meus corações de sal e de brandura.
Entontece meu hálito com a sombra,
tua boca penetra a minha voz como a espadas
e perde no arco.
E quando gela a mãe em sua distância amarga, a lua
estiola, a paisagem regressa ao ventre, o tempo
se desfibra - invento para ti a música, a loucura
e o mar.
Toco o peso da tua vida: a carne que fulge, o sorriso,
a inspiração.
E eu sei que cercaste os pensamentos com mesa e harpa.
Vou para ti com a beleza oculta,
o corpo iluminado pelas luzes longas.
Digo: eu sou a beleza, seu rosto e seu durar. Teus olhos
transfiguram-se, tuas mãos descobrem
a sombra da minha face. Agarro tua cabeça
áspera e luminosa, e digo: ouves, meu amor? eu sou
aquilo que se espera para as coisas, para o tempo
-eu sou a beleza.
Inteira, tua vida o deseja. Para mim se erguem
teus olhos de longe. Tu própria me duras em minha velada beleza.
Então sento-me à tua mesa. Porque é de tique me vem o fogo.
Não há gesto ou verdade onde não dormissem
tua noite e loucura,
não há vindima ou água
em que não estivesses pousando o silêncio criador.
Digo: olha, é o mar e a ilha dos mitos
originais.
Tu dás-me a tua mesa, descerras na vastidão da terra
a carne transcendente. E em ti
principiam o mar e o mundo.
Minha memória perde em sua espuma
o sinal e a vinha.
Plantas, bichos, águas cresceram como religião
sobre a vida - e eu nisso demorei
meu frágil instante. Porém
teu silêncio de fogo e leite repõe
a força maternal, e tudo circula entre teu sopro
e teu amor. As coisas nascem de ti
como as luas nascem dos campos fecundos,
os instantes começam da tua oferenda
como as guitarras tiram seu início da música nocturna.
Mais inocente que as árvores, mais vasta
que a pedra e a morte,
a carne cresce em seu espírito cego e abstracto,
tinge a aurora pobre,
insiste de violência a imobilidade aquática.
E os astros quebram-se em luz sobre
as casas, a cidade arrebata-se,
os bichos erguem seus olhos dementes,
arde a madeira - para que tudo cante
pelo teu poder fechado.
Com minha face cheia de teu espanto e beleza,
eu sei quanto és o íntimo pudor
e a água inicial de outros sentidos.
Começa o tempo onde a mulher começa,
é sua carne que do minuto obscuro e morto
se devolve à luz.
Na morte referve o vinho, e a promessa tinge as pálpebras
com uma imagem.
Espero o tempo com a face espantada junto ao teu peito
de sal e de silêncio, concebo para minha serenidade
uma ideia de pedra e de brancura.
És tu que me aceitas em teu sorriso, que ouves,
que te alimentas de desejos puros.
E une-se ao vento o espírito, rarefaz-se a auréola,
a sombra canta baixo.
Começa o tempo onde a boca se desfaz na lua,
onde a beleza que transportas como um peso árduo
se quebra em glória junto ao meu flanco
martirizado e vivo.
- Para consagração da noite erguerei um violino,
beijarei tuas mãos fecundas, e à madrugada
darei minha voz confundida com a tua.
Oh teoria de instintos, dom de inocência,
taça para beber junto à perturbada intimidade
em que me acolhes.
Começa o tempo na insuportável ternura
com que te adivinho, o tempo onde
a vária dor envolve o barro e a estrela, onde
o encanto liga a ave ao trevo. E em sua medida
ingénua e cara, o que pressente o coração
engasta seu contorno de lume ao longe.
Bom será o tempo, bom será o espírito,
boa será nossa carne presa e morosa.
- Começa o tempo onde se une a vida
à nossa vida breve.
Estás profundamente na pedra e a pedra em mim, ó urna
salina, imagem fechada em sua força e pungência.
E o que se perde de ti, como espírito de música estiolado
em torno das violas, a morte que não beijo,
a erva incendiada que se derrama na íntima noite
- o que se perde de ti, minha voz o renova
num estilo de prata viva.
Quando o fruto empolga um instante a eternidade
inteira, eu estou no fruto como sol
e desfeita pedra, e tu és o silêncio, a cerrada
matriz de sumo e vivo gosto.
- E as aves morrem para nós, os luminosos cálices
das nuvens florescem, a resina tinge
a estrela, o aroma distancia o barro vermelho da manhã.
E estás em mim como a flor na ideia
e o livro no espaço triste.
Se te apreendessem minhas mãos, forma do vento
na cevada pura, de ti viriam cheias
minhas mãos sem nada. Se uma vida dormisses
em minha espuma,
que frescura indecisa ficaria no meu sorriso?
- No entanto és tu que te moverás na matéria
da minha boca, e serás uma árvore
dormindo e acordando onde existe o meu sangue.
Beijar teus olhos será morrer pela esperança.
Ver no aro de fogo de uma entrega
tua carne de vinho roçada pelo espírito de Deus
será criar-te para luz dos meus pulsos e instante
do meu perpétuo instante.
- Eu devo rasgar minha face para que a tua face
se encha de um minuto sobrenatural,
devo murmurar cada coisa do mundo
até que sejas o incêndio da minha voz.
As águas que um dia nasceram onde marcaste o peso
jovem da carne aspiram longamentea nossa vida.
As sombras que rodeiam
o êxtase, os bichos que levam ao fim do instinto
seu bárbaro fulgor, o rosto divino
impresso no lodo, a casa morta, a montanha
inspirada, o mar, os centauros do crepúsculo
- aspiram longamente a nossa vida.
Por isso é que estamos morrendo na boca
um do outro. Por isso é que
nos desfazemos no arco do verão, no pensamento
da brisa, no sorriso, no peixe,
no cubo, no linho, no mosto aberto
- no amor mais terrível do que a vida.
Beijo o degrau e o espaço. O meu desejo traz
o perfume da tua noite.
Murmuro os teus cabelos e o teu ventre, ó mais nua
e branca das mulheres. Correm em mim o lacre
e a cânfora, descubro tuas mãos, ergue-se tua boca
ao círculo de meu ardente pensamento.
Onde está o mar? Aves bêbedas e puras que voam
sobre o teu sorriso imenso.
Em cada espasmo eu morrerei contigo.
E peço ao vento: traz do espaço a luz inocente
das urzes, um silêncio, uma palavra;
traz da montanha um pássaro de resina, uma lua
vermelha.
Oh amados cavalos com flor de giesta nos olhos novos,
casa de madeira do planalto,
rios imaginados,
espadas, danças, superstições, cânticos, coisas
maravilhosas da noite. Ó meu amor,
em cada espasmo eu morrerei contigo.
De meu recente coração a vida inteira sobe,
o povo renasce,
o tempo ganha a alma. Meu desejo devora
a flor do vinho, envolve tuas ancas com uma espuma
de crepúsculos e crateras.
Ó pensada corola de linho, mulher que a fome
encanta pela noite equilibrada, imponderável
-em cada espasmo eu morrerei contigo.
E à alegria diurna descerro as mãos. Perde-se
entre a nuvem e o arbusto o cheiro acre e puro
da tua entrega. Bichos inclinam-se
para dentro do sono, levantam-se rosas respirando
contra o ar. Tua voz canta
o horto e a água - e eu caminho pelas ruas frias com
o lento desejo do teu corpo.
Beijarei em ti a vida enorme, e em cada espasmo
eu morrerei contigo.
Herberto Helder - O Amor em Visita
*Não sei se foi em Março que me disseram este poema.
Era uma ideia que eu tinha. Por gostar tanto destas palavras.
Que um homem, consigo todo, me dissesse isto.
E tu disseste, J.
Sim, talvez tu sejas um dos homens da minha vida.
Por isto e por outras coisas.
Mas, mesmo que não tenha sido em Março... foi em Março que nos conhecemos e ora aqui está uma outra coisa deste mês,
com poesia dentro e tudo, que vale a pena guardar.

Dia -512

A Importância da Informação*

*ou Mafalda, a minha heroína de sempre.

como a tira se vê mal aí vai:

Pai, olhando para a flor mirrada: esta não floriu, foi regada, apanhou luz, adubo... Não sei o que lhe terá faltado

o resto vê-se bem

Wednesday, March 21, 2007

Dia -511

Outras coisas acontecidas em Março e que vale a pena recordar...
(ou se fosse há um ano era mais ou menos assim que eu começava a sentir-me)

Mad about the boy
I know it's stupid to be mad about the boy
I'm so ashamed of it but must admit the sleepless nights I've had
About the boy
On the silverscreen
He melts my foolish heart in every single scene
Although I'm quite aware that here and there are traces of the cad
About the boy
Lord knows I'm not a fool girl
I really shouldn't care
Lord knows I'm not a school girl
In the fury of her first affair
Will it ever cloy
This odd diversity of misery and joy
I'm feeling quite insane and young again
And all because I'm mad about the boy
So if I could employ
A little magic that will finally destroy
This dream that pains me and enchains me
But I can't because
I'm mad...I'm mad about the boy
(Dinah Washington canta esta letra de Noel Coward)

Tuesday, March 20, 2007

Dia -510

E quem é o pai mais lindo do mundo, quem é?
É o meu, pois claro!

Monday, March 19, 2007

Dia -509

Quem é o menino mai lindo da sua tia, quem é?*
Não há só coisas desagradáveis. Em Março. Num dia como hoje.
Com o mesmo anúncio de Primavera. Nasceste tu.
O menino mai lindo da sua tia emprestada.
Parabéns, miúdo!
*Daqui a um ano ou dois já não vais gostar que eu te diga estas coisas, muito acriançadas, por isso há que aproveitar agora.

Saturday, March 17, 2007

Dia -508

Camarada
Uma das palavras mais bonitas da língua portuguesa.
Lamentavelmente, usamo-la pouco.
(Post-scriptum (se escrevesse só PS provocar-me-ia uma severa urticária) -
já não estou com a neura.
Subi o Marão, desci o Marão e a beleza que ainda há, a imponência dos montes, devolveu-me à minha insignificância)

Dia -507

Ando(amos) a precisar de uma Revolução, caraças!*


E de pessoas bonitas, como esta.

E esta música... andava a precisar de ouvir esta música.

Vienes quemando la brisa

con soles de primavera

para plantar la bandera

con la luz de tu sonrisa.

(extracto(zinho) de Hasta Siempre, de Carlos Puebla)

Ou, numa versão muito mais agressiva (ou revolucionária ou irónica ou lá o que é)


*Ou de como, quando estou com a neura, se acentuam as minhas tendências políticas.

Thursday, March 15, 2007

Dia -506

Dói-me qualquer coisa (acho que é o ombro direito)
O mundo pesa mesmo horrores.
Estou farta desta merda toda.
(Não sei dizer bem que merda é mas, assim mesmo, estou farta).
Construam-me uma casa em Galway, com vista para a Innismore.
Um alpendre onde sentir a chuva e observar os maravilhosos dias nublados.
Tragam todos os livros que quero ler.
Todos os meus Cd's.
Uma cadeira de balouço.
Uma mantinha.
Um cházinho de maçã com canela.
E fechem-me a porta.
Podem deitar fora a chave.
E não, não quero visitas*
*abro uma excepção para os meus pais. E outra para uma certa pessoa que, coitada, sem saber, tem contribuído bastante para que eu esteja farta desta merda toda

Wednesday, March 14, 2007

Dia -505

Evidentemente*
Mieux vaudrait apprendre à faire l'amour correctement
que de s'abrutir sur un livre d'histoire.
Boris Vian - L'Herbe Rouge
*Bom... talvez nem tanto ao amor, nem tanto aos livros de história.

Dia -504

Mensagem
(para uma pessoa que nunca saberá quem é e fica triste com isso, não sei porquê)
Odeio este tempo detergente
um tempo português que até utilizou
os primeiros acordes da quinta sinfonia de beethoven
como indicativo da voz do ocidente
chamada actualmente a emissão em línguas estrangeiras
um tempo que parou e só mudou
o nome que puseram num mundo que muda
a coisas que afinal permaneceram
um tempo português que alguma vez até em camões vê
o antecessor e criador de coisas como a nato
com a profética visão de quem consegue conceber tal obra
bem pouco literária por sinal e só possível graças à visão
de quem com um só olho vê as coisas quatrocentos anos antes.
Odeio este meu tempo detergente
de uma poesia que discreta até se erótica antigamente
hoje se prostitui numa publicidade
devida a algum poeta público que a certo detergente
deu de repente esse teu nome musical de musa
a ti precisamente a ti nesse teu rosto sorridente
onde o poeta público publicitário porventura viu
sobressair teu riso nesse território de alegria
e a brancura mais alva nesses dentes alvejar.
E eu que faço eu aqui em todo este tempo detergente quando
sinto subitamente cem saudades tuas
que posso que não seja odiar mais um meio que jamais
tentaria impedir evitaria um tempo que consente até contente
que faças dentro em pouco um ano mais
um meio onde nem mesmo eu mulher afinal sei
que terei de fazer para deter ao menos um momento essa tua
idade
a tua juventude se possível anos antes de haver-te conhecido
por acaso e já tarde na cidade onde nasceste
cidade que unamuno diz viver morrer apenas por amor
amor morto ou mortal mas amor imortal
cidade solidão as ruas muita gente os sons o sol
difusos e confusos corredores de uma faculdade
folhas que se renovam rostos que outros rostos
tão firmes tão presentes permanentes um só ano antes
friamente destroem sem deixar sequer
ao menos uma marca nessa fria impassível pedra
o tempo os sóis dos séculos cingindo os cintos da cidade
dessa cidade onde o povo morre novo à volta
do mesmo monumento destinado a exaltá-lo
cidade onde afinal a paisagem é pretexto para o homem
cidade portuguesa ó portugal ó parte da hispânia maior
maneira triste de se ser ibéria onde
da terra emerge o homem que depois o rosto nela imerge
ó portugal dos pescadores de espinho
espinho do suicida laranjeira espinho praia
antiga amiga e conhecida de unamuno
a praia dos seus últimos passeios portugueses
angústia atlântica e odor ó dor olor a campo
praia que só existe quando alguém a veste
coisa que foi somente quando tu mulher a viste.
Aqui em portugal aqui na vasta praia portuguesa
aqui nasci e ao nascer morri
como morri a morte que por sorte sempre tive
pesadamente do mais alto do meu peso dos meus anos
em cada um dos sítios onde um dia estive.
Aqui tive dezasseis anos aos dezasseis anos
aqui só vejo pés há muitos anos já.
Aqui o meu chapéu de chuva mais ao sul aceita em chapa
o sol
chapéu que fecho quando fecha o sol definidor do dia.
Tive um passado agora inacessível um passado
tão alto como a torre do relógio da aldeia
que pontual pontua a passagem do tempo
um tempo não ainda detergente um tempo
afinal só visível no sensível alastrar da sombra
ao longo desse pátio só possível ao adolescente
que mais tarde e mais só e de maneira mais sensível
mais só se sentirá no meio da imensa gente
que se sentia ali entre a andorinha e a nespereira.
Não o sabia então mas dominava um mundo
esse mundo que espero que me espere um dia ao fundol
á quando findo o dia sob o chão me afundo e ao final
em terra e em verdade é que me fundo.
Mas eu aqui completamente envolto neste tempo detergente
é da segunda-feira e da semana que preciso pois
posso lutar melhor por uma luz melhor
do que esta luz do mar à hora do entardecer.
É da cidade é da publicidade é da perversidade
que preciso e não tenho aqui na praia.
Não tenho nem o mar nem tão rudimentar
a técnica de olhar alguém as minhas mãos
para me devassar a vã vida privada.
É de inverno é domingo estou sozinho aqui na praia
regresso a casa à noite apanho eu próprio a roupa no quintal
e tenho a sensação de quem alguma coisa
faz pela primeira e sente bem ou mal
que tarde toma agora o seu banho lustral .
Ruy Belo - Odeio este tempo detergente

Tuesday, March 13, 2007

Dia -503

Half Nelson*



Provavelmente o melhor filme que vi nos últimos três ou quatro anos.
Absolutamente arrebatador.
De baixíssimo orçamento, pois claro.
Mas isso, como fica muitas vezes demonstrado (incluindo esta),
não interessa mesmo nada.
O facto de ter arrebatado um conjunto impressionante de prémios
e de ter sido nomeado para muitos outros
(incluindo o Oscar para melhor actor principal)
não tem, naturalmente, grande importância,
mas talvez queira dizer alguma coisa.
O protagonista é este rapazinho da fotografia
Um excelente(íssimo) actor.
E giro que se farta.
Espero vê-lo, num cinema perto de mim,
a desempenhar outros papeis fabulosos como este.
* O realizador é Ryan Fleck. E a interpretação da Shareeka Epps também é absolutamente magnífica.

Monday, March 12, 2007

Dia -502

Hoje venho apenas dizer(me) que morreste.

Sunday, March 11, 2007

Dia -501

Última Tentação

E então ela quis tentá-lo definitivamente. Olhou bem em volta, com extrema atenção.
Mas só conseguiu encontrar uma pêra pequenina e pálida.
Ficaram os dois numa desesperante frustração.
Não há dúvida que o Paraíso está a tornar-se cada vez mais chato!
Mário Henrique Leiria

Saturday, March 10, 2007

Dia -500

Há muito mais de quinhentos dias
que sou de um país diferente do vosso, de um outro bairro,
de uma outra solidão*

Je suis d'un autre pays que le vôtre, d'une autre quartier, d'une autre solitude.
Je m'invente aujourd'hui des chemins de traverse. Je ne suis plus de chez vous.
J'attends des mutants. Biologiquement je m'arrange avec l'idée que je me fais de la biologie: je pisse, j'éjacule, je pleure. Il est de toute première instance que nous façonnions nos idées comme s'il s'agissait d'objets manufacturés.
Je suis prêt à vous procurer les moules. Mais...

la solitude...

Les moules sont d'une texture nouvelle, je vous avertis. Ils ont été coulés demain matin. Si vous n'avez pas, dès ce jour, le sentiment relatif de votre durée, il est inutile de vous transmettre, il est inutile de regarder devant vous car devant c'est derrière, la nuit c'est le jour. Et...

la solitude...

Il est de toute première instance que les laveries automatiques, au coin des rues, soient aussi imperturbables que les feux d'arrêt ou de voie libre. Les flics du détersif vous indiqueront la case où il vous sera loisible de laver ce que vous croyez être votre conscience et qui n'est qu'une dépendance de l'ordinateur neurophile qui vous sert de cerveau. Et pourtant...

la solitude...

Le désespoir est une forme supérieure de la critique. Pour le moment, nous l'appellerons "bonheur", les mots que vous employez n'étant plus " les mots" mais une sorte de conduit à travers lequel les analphabètes se font bonne conscience. Mais...

la solitude...

Le Code civil nous en parlerons plus tard. Pour le moment, je voudrais codifier l'incodifiable. Je voudrais mesurer vos danaïdes démocraties.
Je voudrais m'insérer dans le vide absolu et devenir le non-dit, le non-avenu, le non-vierge par manque de lucidité. La lucidité se tient dans mon froc.

Leo Ferré - La Solitude
*mas, no entanto, somos todos daqui. Do mesmo sítio.
Uma tradução muito imperfeita pode ser encontrada nos comentários.

Friday, March 09, 2007

Dia -499

O mundo é cada vez maior. As mulheres continuam (in)visíveis*
Imaginemos um mundo pequenino.
Um mundo com apenas 1000 pessoas.
Num mundo assim, passar-se-ia qualquer coisa como isto:
500 destas pessoas seriam mulheres;
Na verdade, poderiam ser 510, não fosse a prática do aborto selectivo
(corrente em países como a China ou a Índia)
ou a ausência de cuidados médicos adequados;
167 seriam espancadas ou expostas a qualquer outra forma de violência durante a sua vida;
100 destas mulheres teriam sido vítimas de violação ou de tentativa de violação.
Agora imaginem um mundo grande.
Como aquele em que vivemos.
Um mundo com 6 301 464 000 pessoas, das quais 3 132 342 000** são mulheres
e multipliquem.
Neste dia em vez de oferecerem flores às mulheres que conhecem
e que, estou certa, não são vítimas de nenhuma forma de violência...
façam mais qualquer coisa pelas mulheres que não conhecem.
Por aquelas que são vítimas de discriminação, de repressão, de violentações várias.
Porque é preciso lembrar, ao menos neste dia,
que sob qualquer das suas formas, a violência contra as mulheres
é ainda a mais frequente violação dos direitos humanos no mundo.
E se não acreditam nisto.
E se acham que o dia 8 de Março
é apenas um dia para oferecer flores,
carreguem aqui.
Adenda após reflexão: vejam e ouçam isto.
Os corações morrem de fome como os corpos;
dai-nos pão, mas dai-nos rosas
(James Oppenheim - Bread and Roses)
*Mulheres (In)Visíveis é o título de um Relatório acerca da violência sobre as mulheres, da Amnistia Internacional - Portugal.
** Dados da Organização das Nações Unidas

Thursday, March 08, 2007

Dia -498

Os Alunos, essas fontes inesgotáveis de alegria (III)
O miúdo tem um ar meio despassarado.
Um ar bastante invulgar, até.
Não sei se presta atenção às aulas ou não
(eles são sempre mais de cem no anfiteatro).
Mas hoje escreveu-me um email
que me deixou reconciliada com os miúdos todos.
Escreveu-me a dizer que tinha encontrado um artigo assim e assim
que talvez pudesse ser útil a algum colega
que estivesse a trabalhar sobre um tema relacionado.
Vocês podem achar normal.
Mas eu garanto que actualmente o gesto é tão invulgar
como o ar do miúdo em questão.

Wednesday, March 07, 2007

Dia -497

Be Aware of The Shark
(Specially when it's dead)
A relationship, I think, is like a shark.
You know? It has to constantly move forward or it dies.
And I think what we got on our hands is a dead shark.
(Woody Allen - Annie Hall)

Tuesday, March 06, 2007

Dia -496

O
pior
não é
isto.
O
que se diz.
O
pior
é
o
que não pode
ser
dito.

Monday, March 05, 2007

Dia -495

Ene
vezes.
Quando acaba a memória
e
começa o esquecimento?

Sunday, March 04, 2007

Dia -494

U
Ser, talvez, como tu.
Decidir.
E não pensar.
Nunca mais.
Em nada.

Friday, March 02, 2007

Dia -493

N
O que eu pensei foi
preciso de um abraço
hoje preciso de um abraço teu
um abraço desses de estar em casa
ou um abraço dos outros
daqueles de apanhar um comboio para um país distante
sem nada levar como bagagem
hoje preciso de um abraço teu.
Mas o que fiz
foi meter-me num cinema
para não perceber
que os teus abraços
esses
e
aqueles
ou seja
os únicos de que alguma vez precisei
levaste-os tu
para o único lugar onde não irei procurar-te.
Mas, sim, gostei do filme.

Dia -492

Pois Claro
(a nacionalidade de uma pessoa, nota-se, aliás, é mesmo nestas coisas miudinhas)
Diz-me o M.:
és tão exagerada como as espanholas.
Olé!

Thursday, March 01, 2007

Dia -491

Isto é capaz de ser mau sinal
Ultimamente tenho dado por mim a cantar
a plenos pulmões enquanto conduzo.
Seja a distância longa ou curta.
As canções que canto?
É melhor não quererem saber.