Saturday, December 31, 2005

Dia -67

As Cicatrizes
Ela pensou no corpo dele. O lado direito com profundas cicatrizes. Visíveis.
Longas. Brancas. Ela pensou. Nele. E viu as cicatrizes. Negras. Silenciosas.
Dentro.

Friday, December 30, 2005

Dia -66

A Honra
Ela sentiu-se ofendida. Ele sentiu-se ofendido. Trocaram insultos.
Pesados. Feios. Orgulhosos. Maus. Ele achou que perdera alguma coisa.
E que tinha que demonstrar outras. Ela não achou nada. Limitou-se a concordar.
300 quilómetros os separavam. Reduziram a distância.
Foderam-se. Vieram-se. Desligaram-se.
O orgulho ferido é uma coisa tramada.

Thursday, December 29, 2005

Dia -65

O Insulto
Vá. Diz lá. Chama-me nomes. Eu gosto. Insulta-me. Como queiras.
O pior insulto é o teu orgulho.

Wednesday, December 28, 2005

Dia -64

A Mensagem
Estou aqui. Gostava de falar contigo. Não trouxe as tuas coisas. Afinal.
Mas mesmo assim gostava. De falar contigo.

Tuesday, December 27, 2005

Dia -63

A Ausência
Andas comigo para toda a parte. E não estás em lado nenhum.
Disse-te. Não desapareças.
Respondes. Eu espero.
Mas não estás. Aqui. Ou noutro sítio qualquer.
Onde vou.

Monday, December 26, 2005

Dia -62

Os Pais
O natal são os meus pais.
Sem o colo da mãe. Os beijos do pai.
O natal nada seria.

Sunday, December 25, 2005

Dia -61

A Cidade
Gosto desta cidade. Esta cidade tem um rio. E gente. E os amigos.
Esta cidade é o natal. E a família. Eu não seria eu.
Se tivesse nascido noutra cidade.

Saturday, December 24, 2005

Dia -60

O Entusiasmo
Entusiasmo-me com muita facilidade. Estou rodopiante. Uma montanha russa.
Altos. E. Baixos. Baixos. E. Altos. A culpa é tua.
Desafias-me.

Thursday, December 22, 2005

Dia -59

O Nome
É difícil conhecer outra pessoa. Com o teu nome. E gostar dela.
Deixar-me gostar dela. Apesar. Do teu nome.

Wednesday, December 21, 2005

Dia -58

O Solstício (de Inverno)
Hoje é a noite mais longa do ano. Hoje começa a minha estação preferida.
Para mim, hoje, é dia de festa.

Tuesday, December 20, 2005

Dia -57

O Cabelo
Preciso de cortar o cabelo. Mas não me apetece cortar o cabelo.
Se calhar ainda deixo crescer outra vez as tranças.

Monday, December 19, 2005

Dia -56

A Praia
Eu não gosto de praia. No Verão. Só no Inverno.
E mesmo assim, acho que tem demasiada areia.

Dia -55

As Pessoas
As pessoas são estranhas. Não compreendo as pessoas.
Nunca compreendi as pessoas.
Na verdade conheco poucas. Pessoas. Conheço muita gente.
Mas pouquíssimas. Pessoas.
Deve ser por isso que não as compreendo. Porque não as conheço.

Saturday, December 17, 2005

Dia -54

A Época de se ser Bom


A Diana Krall interpreta o Jingle Bells.
Pois. Que toquem os sinos. Que se acendam as luzes. Que a música encha o ar.
After all is christmas time.
A época de sermos bons.
Sensíveis. Generosos. Preocupados. Solidários.
De desejarmos o impossível. Por exemplo

Paz na Terra.

Para Já. Bom Natal.

Depois? Logo se vê.

Friday, December 16, 2005

Dia -53

Os Jantares
A época natalícia é terrível. Fazem-se múltiplos jantares e almoços. De Natal, claro. Come-se daqui, come-se dali. Bebe-se daqui, bebe-se dali. Um suplício. São os jantares organizados pelo emprego. Vários. Há o jantar dos colegas. O jantar do grupo de investigação. O jantar do outro grupo de investigação. O jantar dos professores. O jantar dos funcionários. O jantar dos alunos. Depois são os jantares organizados pelos amigos e conhecidos. O jantar deste grupo. O jantar do outro grupo. O jantar de pessoas deste e do outro grupo. E ainda há os almoços. E os lanches. E não podemos dizer que não aqui e que sim ali. Pelo que dizemos que sim a todos.
Porque é que se come tanto no Natal? E porque é que todas as celebrações e encontros se têm de fazer à volta de uma mesa cheia de comida? Raios! Vou ficar goooordaaaa.
Quer dizer... mais gooordaaaa.

Thursday, December 15, 2005

Dia -52

O António
Gosto do nome. António. O meu pai chama-se António. Talvez seja por isso.
António não é um nome qualquer. É o meu nome preferido. Deve ser por isso.
Que sempre gostei de Antónios. Estive a contar os 'meus' Antónios.
Cheguei à conclusão que foram predominantes. Os Antónios. Na minha vida.
Isto deve querer dizer qualquer coisa. Freud talvez explicasse.

Wednesday, December 14, 2005

Dia -51

O Frio
Tenho frio. Muito frio. Tenho uma camisola interior. Uma camisola de gola alta de lã.
Umas calças de lã. Umas meias até ao joelho. Um sobretudo. E tenho frio. Muito frio.
Sobretudo nas mãos. Nos pés. Nas orelhas. E na ponta do nariz.

Tuesday, December 13, 2005

Dia -50

A Campanha
Todos se parecem no discurso. Todos se parecem nas frases que os anunciam.
Todos se vendem como se fossem detergentes. Todos defendem as mesmas ideias.
Todos têm a mesma pose. Todos são velhos por fora. Ou por dentro.
Todos são iguais. Mas estão convencidos que são diferentes.
Manuel João Vieira a Presidente. Já!

Monday, December 12, 2005

Dia -49

O Bilhete de Identidade
O livro de que se fala. Acabei de o ler.
Digamos que sou muito curiosa. Cuscuvilheira até. Foi nessa condição que o li. Não lhe encontro grande interesse sociológico, na verdade. Não me parece que retrate uma época. retrata apenas a vida das elites numa determinada época. A autora não tem, evidentemente, culpa, de ter nascido 'remediada' num país cuja maior parte das pessoas vivia miseravelmente. Não tem culpa também de, sendo oriunda de uma família 'remediada' se ter dado (e ter valorizado isso) apenas com pessoas de famílias 'bem'. O livro não é um documento importante. Basicamente trata-se de saber com quem namorou Maria Filomena Mónica. Com quem dormiu. E quais eram os apelidos 'de família' das suas conquistas. Parece-me pouco. Mas a minha costela de alcoviteira delirou.

Sunday, December 11, 2005

Dia -48

O Mimo
Sou muito mimada. Acusam-me disso frequentemente.
Nunca percebi a acusação.
Acho que os mimos nunca são demais.
Que não se pode 'estragar' alguém com mimos.
Receber mimo é muito bom. Dar mimo é tão bom ou melhor ainda.
Pretendo continuar assim. Cheia de mimo.

Saturday, December 10, 2005

Dia -47

A Amizade
A amizade é a única forma de amor que dura.
Apaixonei-me perdidamente por todos os os meus amigos.
Com urgência, entusiasmo, fúria e compulsão.
Tal qual como outra paixão qualquer.
Com a mesma voracidade, mas sem o desejo da carne e da comunhão dos corpos.
Amo todos os meus amigos. Por motivos vários.
Amo a Teresa. Amo a Sílvia. Amo o Fernando. Amo o Pedro.
Amo a Carla. Amo a Lena. Amo o Quim.
Já disse 'amo-te' a outras pessoas. Raramente.
Quando o disse era verdade. Evidentemente.
Mas nunca foi tão verdade como o é quando o digo a estas pessoas.
Porque sei que é para sempre. Desinteressada e profundamente. Para sempre.

Friday, December 09, 2005

Dia -46

A Playstation
O meu sobrinho emprestado (que ainda não lê blogs, mas livros do capitão cuecas) anda a pedir uma playstation desde os quatro anos. Houve uma decisão lá em casa de que o miúdo teria a playsation no fim da 4ª classe. Pois. Ele ainda agora começou a 2ª e tanta foi a pressão que decidi (com o acordo dos seus pais) oferecer-lhe uma este ano. Ele ainda não sabe, mas acho que desconfia. A caixa é enorme. O laço imponente. Acho que só por isso a cara dele vai brilhar quando eu chegar com tal oferta nas mãos. Mas no processo da compra vi-me tão atordoada que estive a escassos passos de desistir. Fiquei a olhar com cara de parva para o vendedor que me explicava as especificidades de cada um dos muitos modelos à venda. Dos jogos que se podiam jogar nesta, na outra, nos acessórios que se poderiam comprar. Acabei por me decidir por um deles, sem saber exactamente se tomei a decisão correcta. Uma coisa me preocupa. O meu sobrinho tem computador, hi-fi, tv, dvd, game boy. Quando lhe falta alguma destas coisas pede o telemóvel emprestado a quem quer que seja para jogar um qualquer jogo.
Estou bastante arrependida. Por minha causa o puto vai passar mais tempo ligado a uma máquina. Acho que vai acabar por se esquecer dos livros do capitão cuecas. E de me dar mimos.

Thursday, December 08, 2005

Dia -45

As Compras
As pessoas acotovelam-se. Andam depressa. Estranhamente andam mais simpáticas.
Fazem-se embrulhos em papel colorido.
Com laços ainda mais coloridos e brilhantes.
As pessoas esperam em filas aparentemente intermináveis para pagar.
Para que lhes façam os embrulhos.
Para que lhes ponham os laços.
Saem das lojas carregadas com sacos e saquinhos. Caixas e caixotes.
A época das compras de Natal começou.
Faltam 15 dias para o Natal e eu ainda só comprei quatro presentes.
De uma lista de muitos mais.
Sempre gostei de oferecer prendas. Mas não sei o que se passa comigo este ano.
Nem as luzes me seduzem. Nem as filas me encantam. Nem imaginar a cara das pessoas a desembrulhar caixas e a abrir os saquinhos que lhes vou dar, me motiva.
Estarei deprimida ou apenas farta que tanto brilho, simpatia e dádiva aconteça apenas uma vez por ano?

Wednesday, December 07, 2005

Dia -44

A Escuridão
Disseram-me hoje que este registo era sombrio. Fiquei a pensar. Na luz e na escuridão.
No sol e na sombra. E em mim, no meio de tudo isso. Efectivamente.
Tenho uma tendência para me vestir de preto desde que me conheço.
Detesto as manhãs e o sol. Gosto da noite. E é de noite que faço a maior parte das coisas que os outros fazem durante o dia. Tenho sempre poucas luzes acesas, mesmo para ler.
Durante o dia costumo ter as persianas corridas. Tenho um amigo que me chama morceguinha.
A minha mãe acha que me trocaram na maternidade.
Que devo descender de uma qualquer linhagem de vampiros.
Este registo é sombrio?
Talvez. Mas adequa-se.

Tuesday, December 06, 2005

Dia -43

O Tempo

Está a fazer-se cada vez mais tarde. Sabes? Está a fazer-se cada vez mais tarde para tudo.
Para os livros que (já não) serei capaz de ler.
Para os homens que (já não) serei capaz de amar.
Para as palavras que (já não) serei capaz de escrever.
Para os olhos que (já não) serei capaz de olhar.
Para as pessoas que (já não) serei capaz de suportar.
Para a música que (já não) serei capaz de ouvir.
Para os países que (já não) serei capaz de visitar.
Está a fazer-se cada vez mais tarde. Sabes?
Afinal. O tempo não é aquilo que fazemos.
Mas o que (já não) faremos.

Dia -42

A Dor
Ela disse-lhe. É verdade. Mesmo porque, se pensarmos bem não temos nada em comum.
Ele concordou. Já tinha concordado, sem ela saber.
Passado um instante atirou-lhe, como quem lhe atira com o sol do meio dia em cheio na cara. Acho que ambos partilhamos uma dor profunda.
Há qualquer coisa nas pessoas com uma dor assim que as torna iguais.
Ela ficou a pensar naquilo. No modo como eram tão diferentes numa dor idêntica.
E no modo como isso não tinha qualquer interesse. Para ambos.

Monday, December 05, 2005

Dia -41

A Vida
Tenho de procurar incentivos para me levantar da cama. Quando abro os olhos, já tarde, costumo sempre levar uma meia hora a pensar na razão pela qual tenho de me levantar da cama. E nunca. Nunca encontro nada. A não ser os encontros e os deveres com horas marcadas. De resto. Naquela meia hora vejo a minha vida toda passar-me diante dos olhos. E asseguro. Não encontro. Nunca. Nada.

Saturday, December 03, 2005

Dia -40

A Importância
As coisas têm somente a importância que lhes atribuímos. Com o passar do tempo. E das coisas. Aprendi a não dar importância a nada. Especialmente ao que me dizem que sentem. Especialmente ao que sinto.

Friday, December 02, 2005

Dia -39

A Eternidade
É o tempo que dura. Mas acaba por passar. O tempo. O que sentiste já foi. Não penses mais nisso. O que sentirás, ainda não é. Continua a não pensar nisso.
Aliás, não penses. Nunca mais penses.
Para toda a eternidade, nunca mais te atrevas a pensar.
Aceita apenas o que te quiserem dar.
Para toda a eternidade, nunca mais te atrevas.
A pedir. Ou a querer.

Thursday, December 01, 2005

Dia de Intervalo

O Risco*
joana amou francisco que amou maria que amou cristina que amou joão que amou david que amou leonor que amou armando que amou teresa que amou filomena que amou fernando que amou antónio que amou vanessa que amou manuel que amou alfredo que amou alberta que amou sandra que amou joaquim que amou marta que amou gonçalo que amou luís que amou joana que amou fernando que amou alberto que amou luísa que amou francisco...
o amor pode ser uma teia.
demasiado arriscada. demasiado perigosa.
e fatal.
*pode parecer mas não tem nada a ver. nem com a quadrilha de Carlos Drummond de Andrade nem com na flor da idade de Chico Buarque

Dia -38

O Silêncio
Toca o Nocturno do Sassetti. Poderia tocar a Inquietude. Há neste silêncio uma dimensão de inquietação. Como há-de haver na maior parte dos silêncios. Gosto de alguns silêncios.
Os silêncios nocturnos. Os silêncios cheios de expectativa. Os silêncios sossegados.
Os silêncios vagarosos. Os silêncios dos olhares que se cruzam e se prendem.
Os silêncios das bocas que se juntam. Os silêncios das mãos.
Tens razão.
Não vale a pena encher de palavras aquilo que se pode dizer tão melhor sem dizer nada.