E por vezes sorrimos ou choramos
E por vezes as noites duram meses
E por vezes os meses oceanos
E por vezes os braços que apertamos
nunca mais são os mesmos E por vezes
encontramos de nós em poucos meses
o que a noite nos fez em muitos anos
E por vezes fingimos que lembramos
E por vezes lembramos que por vezes
ao tomarmos o gosto aos oceanos
só o sarro das noites não dos meses
lá no fundo dos copos encontramos
E por vezes sorrimos ou choramos
E por vezes por vezes ah por vezes
num segundo se envolam tantos anos.
David Mourão-Ferreira
Encontrei há pouco este poema numa antiga carta que a Teresa me escreveu.
A Teresa escreve-me sempre cartas.
Mesmo sendo sob a forma de email.
São cartas.
Daquelas que guardamos com dedicação.
Daquelas que esperamos com urgência.
E não sei por que razão
(a razão tem pouco a ver com estas coisas)
abri hoje de novo o enorme ficheiro que junta a nossa correspondência
e encontrei este poema.
Pareceu-me adequado ao que hoje sinto.
Pareceu-me que fala de espera.
De adiamentos.
E de urgências.
Mas talvez me tenha parecido tudo mal.
E não seja nada disto.