Saturday, May 06, 2006

Dia -193

A Carta
(que nunca te escrevi, nem nada)
Se eu soubesse a razão. Para a minha súbita loucura.
Saberia. Certamente.
Porque perdi o que julguei ter encontrado.
Em ti. Ou através de ti. Ou por ti.
Ou em mim. Por tua causa.
Se eu soubesse a razão. Se eu, ao menos a tivesse!
Saberia.
Que no teu amor por mim começaram largas avenidas.
Que se abrem agora essas avenidas.
Como estradas para lugar nenhum.
No fundo das avenidas que o teu amor abriu em mim não existe mais nada.
Nem a razão que eu queria saber.
Se eu soubesse a razão.
Para a minha súbita crueldade.
Para a minha súbita entrada do lado do que se não dirá nunca.
E nunca. E nunca. Menos ainda. A quem diz amar-se.
Se eu a soubesse.
Saberia talvez a matéria de que sou feita.
Saberia que há um universo indefensável.
Se eu soubesse a razão.
Do meu súbito desejo de te fazer mal.
Não o teria tido.
Tudo estaria como agora.
As avenidas abertas.
E ao fundo... uma razão para viver sem culpas.
Haveria a razão que outrora havia.
Se eu soubesse mexer nas coisas.
Saberia.
Que nada muda o amor que tive. E me tiveste.
Que nada transforma um ataque suícida.
Que nada muda que o amor que tive e me tiveste seja exactamente isso.
O amor. Que eu te tive. E me tiveste.

No comments: