Obviamente, Eu Voto Sim (4)
Porque o aborto, na dimensão em que frequentemente se discute em Portugal, é sobretudo uma questão de mulheres sem poder económico. Ninguém se recordará de ver uma mulher rica no banco dos réus por prática de aborto. Essas costumam ir a Espanha ou a Inglaterra.
Ouvimos inúmeras vezes o argumento de que o aborto é uma questão de consciência.
Não discuto. É também uma questão de consciência. Apenas podemos lamentar que a maior parte dos responsáveis políticos se esconda atrás de tal argumento e se recuse a ter um debate sério, digno e claro sobre a questão. Se é uma questão de consciência individual porque se invocam, com tanta frequência, razões de natureza colectiva, relacionadas com o direito, relacionadas com a religião? Se é uma questão de consciência ela coloca-se no plano das escolhas pessoais. Neste sentido é hipócrita continuar a não ter as condições legais que nos permitam, de facto, decidir em consciência. Se é uma questão de consciência porque é criminalizada? Porque sentem vergonha as sete mulheres que estão agora sentadas no banco dos réus? Porque ficam em silêncio quando poderiam argumentar que desconhecemos tudo a seu respeito? Que nenhum de nós, os outros, os que tiveram sorte, sabe quem são estas mulheres?*
(*excerto da primeira crónica que escrevi para O Jornal de Notícias, publicada a 6 de Janeiro de 2004, a propósito do julgamento em Aveiro de sete mulheres por prática de aborto)
2 comments:
Obrigada Elisa pelo seu comentário tão sucinto. Obrigada pela voz que dá as mulheres que nunca foram ouvidas. Minhas avós, minhas tias, minhas irmãs, simplesmentes por serem mulheres como eu. Mulheres que tiveram de escolher em terminar uma gravidez porque os filhos choravam a volta da mesa olhando para pratos vazios onde uma sardinha era partida em três no dia de Natal. Mulheres que pagaram com a própria vida, quando era justamente a vida que queriam salvar. É inadmissível, que no ano de 2007 as minhas irmãs continuem a ser sujeitas ao mesmo.
M.
É inadmissível sim que a lei seja assim tão caduca. E que Portugal seja o único país da UE onde as mulheres são perseguidas, julgadas e condenadas pela prática de aborto.
É inadmissível que se gaste tanto dinheiro numa campanha, para um referendo, numa matéria sobre a qual a Assembleia da República tem toda a legitimidade para decidir... e as condições, neste momento, para que a decisão da descriminalização do aborto passe sem qualquer problema. Enfim, Melly, Portugal continua em muitas coisas a ser o velho e caduco país das suas (das nossas) avós.
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